Desconfiança, traumas e o debate sobre vigilância
Imagine receber do seu banco um alerta informando que todas as suas transações acima de quinhentos reais serão automaticamente reportadas às autoridades. Embora pareça exagero, esse tipo de cenário sintetiza o medo de milhões de brasileiros diante de qualquer inovação tecnológica vinda do Estado.
O histórico de intervenções no dinheiro é longo, com congelamentos de poupança, confiscos de ativos e regras duras sobre o papel-moeda marcaram a memória coletiva. É por isso que, sempre que surge uma nova ferramenta digital estatal, proliferam dúvidas nas redes sociais e rodas de conversa.
“O Drex vai acabar com o dinheiro em papel?”, “Será um Pix 2.0 com olhos do governo em tudo?”, “O Banco Central vai monitorar cada centavo que gasto?” são apenas algumas das perguntas recorrentes.
Não à toa, o Banco Central precisou emitir uma nota oficial dizendo que o Drex não substitui o papel moeda e que (teoricamente) não serve para monitorar a população.
No fim das contas, estaríamos diante de um novo capítulo na disputa entre inovação e vigilância?
O que está por trás do Drex
O projeto não nasceu por acaso. Faltava ao Brasil uma infraestrutura que permitisse dinheiro programável, contratos inteligentes e liquidações instantâneas. A proposta do Drex é ir além da simples digitalização do real. O modelo foi desenhado para preservar a dinâmica do mercado financeiro, onde o cidadão segue lidando com bancos e fintechs, que emitem depósitos tokenizados.
Não haverá conta digital direta no Banco Central, evitando qualquer ruptura brusca no sistema de crédito privado. O presidente do Banco Central em 2024, Roberto Campos Neto, reforçou em uma coletiva, afirmando que o Drex não foi criado apenas para pagamentos, mas para destravar crédito, reduzir custos e criar novas oportunidades no mercado.
Ao contrário de países como China e Nigéria, que optaram por modelos de moeda digital totalmente centralizada, o Brasil apostou em uma arquitetura híbrida e mais aberta ao setor privado. O desafio central está em equilibrar privacidade e inovação, sem repetir erros de outros experimentos globais.
Evolução, datas e números do projeto
A trajetória do Drex começa em agosto de 2020, quando o Banco Central criou um grupo de trabalho para estudar o Real Digital. Em maio de 2021, foram publicadas as diretrizes oficiais priorizando privacidade, segurança e integração ao sistema financeiro. Em 2023, inicia-se o piloto Drex com grandes bancos e fintechs e o lançamento do nome oficial. No ano seguinte, a primeira fase foca em contratos inteligentes, privacidade e integrações técnicas. Já em 2025, ganha prioridade a integração com o Pix e os casos reais de uso, como garantias digitais.
O contexto numérico reforça a ambição do projeto. Hoje, mais de 90% do fluxo cripto no Brasil circula via stablecoins, segundo dados da Chainalysis. O Drex se apresentaria como uma alternativa nacional e regulada, capaz de competir nesse ambiente. O piloto já reúne mais de vinte instituições, incluindo bancos tradicionais, fintechs e cooperativas. Ainda não existe solução perfeita para o chamado “trilema” — privacidade, escalabilidade e programabilidade —, mas o próprio Banco Central reconhece avanços.
Mitos, realidades e impacto prático
Várias confusões precisam ser desfeitas. Por exemplo, o Drex não é simplesmente uma evolução do Pix. Enquanto o Pix tornou os pagamentos instantâneos, o Drex pretende ser a plataforma para dinheiro programável, contratos inteligentes e tokenização de ativos.
O acesso do cidadão ao Drex será sempre intermediado por bancos e fintechs, responsáveis por emitir os depósitos tokenizados, e não há previsão de contas abertas diretamente no Banco Central, o que difere de uma CBDC tradicional.
Além disso, o Banco Central afirma que o dinheiro físico não vai desaparecer. Também, segundo o Bacen, não existe função secreta de vigilância automática no Drex: as operações seguem as normas de compliance e sigilo já existentes. O objetivo seria preservar a importância dos bancos, ampliar a concorrência e aumentar a inclusão financeira, sem criar um monopólio estatal ou violar a privacidade do cidadão.
Casos de uso e benefícios concretos
Bancos menores já testam a tokenização de garantias para oferecer crédito mais rápido e barato, atingindo públicos historicamente excluídos. Empresas de diversos portes poderão tokenizar recebíveis, estoques e equipamentos para obter crédito em minutos. Para quem consome produtos financeiros, as vantagens incluem mais acesso ao crédito, menos risco de fraude, mais opções e custos mais baixos.
O Brasil se destaca mundialmente nesse campo, já que poucos países experimentaram tokenização de ativos usando moeda digital oficial em escala parecida. O interesse do setor é legítimo, tanto que o Itaú, Nubank, BTG, Sicredi e cooperativas participam dos testes. A expectativa é de que, no rastro do Drex, surja uma nova onda de investimentos tokenizados, empréstimos automatizados e liquidações internacionais instantâneas.
Riscos, desafios e o que está em jogo
Os riscos , por outro lado, não podem ser ignorados. Se o Drex não for além dos testes, o Brasil perde terreno na inovação financeira, enquanto outras economias avançam. Qualquer movimento para criar uma CBDC de varejo direta, com contas no Banco Central, exigiria mudanças profundas, amplo debate público e adaptação das regras. Nada disso está definido. O tema da privacidade é o maior desafio técnico, para tentar equilibrar sigilo e programabilidade continua sendo um trade-off.
O BC reconhece esse limite e busca soluções, como o uso de “zero-knowledge proofs”, que ainda têm custo alto e implementação complexa. Por outro lado, se o Drex avançar, pode tornar o crédito mais barato, criar novos mercados de ativos digitais e dar ao Brasil um papel de liderança internacional. O projeto pode abrir caminho para acordos de liquidação instantânea entre bancos centrais, mudando o comércio exterior nacional.
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