Imagine que você recebeu duas recomendações de carteiras de investimento. Na primeira, a pessoa “A” lhe aconselhou investir 100% no mercado de ações norte-americano, o famoso S&P 500. Já a pessoa B, com um ar levemente misterioso, lhe recomendou investir 80% em títulos do Governo dos EUA de curtíssimo prazo (treasury bills) e 20% em Bitcoin. Considere que o rebalanceamento da segunda carteira fosse feito apenas quando a parcela em Bitcoin superasse os 30% ou ficasse abaixo de 10%.
Eu sei que felizmente não precisamos escolher ou uma ou outra classe de ativo, já que temos a oportunidade de diversificar, mas, para fins educativos, responda: qual das duas carteiras você acha que teria um melhor resultado ajustado pelo risco?
Respondeu? Então, podemos continuar.
Esta dúvida surgiu após pensar em métodos que pudessem diminuir o risco total de uma carteira, sem precisar abrir mão da rentabilidade. Para isso, pensei em comparar uma carteira 100% investida no S&P 500, principal índice norte americano com uma carteira inspirada no conceito da “Estratégia Barbell”, descrita pelo filósofo e investidor Nassim Taleb.
Nesta estratégia, a pessoa deve focar a maior parte do seu patrimônio em ativos extremamente conservadores (entre 70% e 90% do capital), e a outra parte (entre 10% e 30%) dedicar a investimentos muito arriscados, mas com elevado potencial de retorno. Deste modo, o risco máximo seria sempre de 30%, enquanto o risco mínimo seria de 10%. Ou seja, do ponto de vista de exposição do portfólio, uma alocação bem menos arriscada do que os 100% em renda variável da primeira estratégia.
Esses detalhes sobre a exposição máxima são importantes, pois, caso o rebalanceamento fosse feito apenas uma vez ao ano, a pessoa que replicasse essa estratégia passaria alguns meses com uma exposição muito grande (70% em dezembro de 2017, por exemplo).
Para tentar diminuir o viés do backtest, usarei sempre a data que marcou as máximas históricas do Bitcoin. No caso, novembro de 2013 e dezembro de 2017. Sendo assim, no primeiro backtest, serão contemplados 4 bear markets (2013, 2018, 2020 e 2022), e no segundo, 3 (2018, 2020 e 2022).
Vale lembrar que desde 2013, o Bitcoin sofreu várias quedas superiores a 40%, e 4 quedas superiores a 70%.
Com números tão prejudiciais assim, será mesmo que a nossa carteira hipotética 80/20 seria capaz de ter um melhor retorno ajustado ao risco do que um simples investimento no S&P 500?
Bem, é isso que nós vamos ver agora. Já adianto que vamos analisar o desempenho ao longo do tempo e em janelas móveis, as quedas máximas, a volatilidade (medida pelo desvio padrão dos retornos mensais) e o retorno ajustado pelo risco. E antes que eu me esqueça, todos os dados serão calculados a partir dos fechamentos mensais.
PERFORMANCE HISTÓRICA
No período de dezembro de 2013 até fevereiro de 2024, temos a carteira composta por 20% de Bitcoin e 80% em títulos de curto prazo do Governo dos EUA rendendo 16,02% ao ano, enquanto o S&P 500 rendeu 12,59%. Isso em termos nominais.
No gráfico, por outro lado, mostra o desempenho considerando a inflação do período.
É justo citar o fato que nesse intervalo de tempo, o S&P 500 foi bem mais consistente do que a nossa carteira 80/20. De todo modo, como estamos avaliando neste tópico apenas o retorno, então a nossa carteira hipotética sairia na frente.
RETORNO ANUALIZADO EM JANELAS MÓVEIS DE 5 ANOS
Avaliando o resultado anualizado em janelas de 5 anos, também nos deparamos com uma vitória esmagadora da nossa (até então) promissora carteira 80/20. Em apenas dois meses, o retorno dela foi menor do que o obtido pelo S&P 500.
QUEDAS MÁXIMAS (MAX DRAWDOWNS)
Observando as quedas máximas, vemos como a limitação de exposição ao Bitcoin foi importante. Enquanto o ativo em si sofreu várias quedas superiores a 50%, a carteira com 20% em Bitcoin e 80% em títulos do Governo dos EUA de curto prazo sofreu, no máximo, quedas de 20%. Para ser mais específico, as maiores quedas foram de 21%, 18% e 17%. Por outro lado, as maiores quedas do S&P 500 foram de 24%, 20% e 14%.
Neste critério, considerarei um empate, dado que as quedas máximas de ambas as carteiras foram bastante semelhantes.
DESVIO PADRÃO E RETORNO AJUSTADO AO RISCO
Avaliando o desvio padrão, o S&P 500 teve um resultado um pouco melhor do que a carteira 80/20, sendo 15,07% e 16,86%, respectivamente.
Por outro lado, dois indicadores que buscam medir a qualidade dos retornos (Índice Sharpe e Índice Sortino) tiveram um melhor resultado para a carteira com 20% em Bitcoin, do que para o S&P 500. Logo, considerarei mais um empate técnico.
Agora, vamos para a análise com o início em dezembro de 2017.
PERFORMANCE HISTÓRICA
Neste caso, a performance das duas carteiras teria sido relativamente parecida. Enquanto o S&P 500 teria rendido 12,82% anualizado, a carteira 80/20 teria apresentado 13,47% de retorno ao ano.
RETORNO ANUALIZADO EM JANELAS MÓVEIS DE 5 ANOS
O retorno em intervalos de 5 anos também foi consistentemente melhor para a carteira 80/20 do que para o S&P 500.
QUEDAS MÁXIMAS (MAX DRAWDOWNS)
Avaliando as quedas máximas de ambas as estratégias, notamos que a nossa carteira hipotética com 20% em Bitcoin e 80% em caixa teria sofrido com quedas máximas menores do que o S&P 500. Suas quedas máximas foram de 18%, 15% e 10%, enquanto as do S&P 500 foram de 24%, 20% e 14%.
DESVIO PADRÃO E RETORNO AJUSTADO AO RISCO
E mais uma vez, contrariando todas as expectativas, a carteira 80/20 teria apresentado uma volatilidade menor, em relação ao S&P 500. Apresentando um desvio padrão de 15,76% e 17,89%, respectivamente.
Já sobre o retorno ajustado pelo risco, medido pelos Índices Sharpe e Sortino, temos que, outra vez, a carteira 80/20 teria números melhores (quanto maior, melhor).
CONCLUSÕES
Com base neste estudo, podemos chegar a algumas conclusões:
1– A estratégia Barbell pode ser uma boa alternativa, em relação à exposição de 100% no S&P 500.
2– Como todo backtest, o passado não é, nem de longe, uma garantia do que acontecerá no futuro. Ele apenas serve como baliza para, no mínimo, o que pode acontecer no futuro.
3– O que mais pesa no psicológico dos investidores são as quedas máximas que uma estratégia pode ter. Por isso, é sempre importante analisá-las.
4– Não se limite apenas ao que você imagina sobre o sucesso de uma estratégia no passado. Faça sua própria pesquisa, mergulhe nos detalhes e veja o que os números realmente dizem. Você pode se surpreender com o resultado.
5– Nunca analise apenas o retorno de uma estratégia. Isso porque o caminho importa.
Como mencionei antes, não é necessário limitar nossas escolhas a um único tipo de ativo em detrimento de outros. A razão de compartilhar este estudo foi demonstrar que estratégias que parecem contraintuitivas à primeira vista podem, na realidade, oferecer retornos ajustados ao risco superiores aos inicialmente imaginados. Meu desejo é que esta análise tenha contribuído para expandir sua perspectiva sobre investimentos.
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