Introdução
O mundo dos investimentos está em constante evolução, e uma das estratégias que ganhou destaque nas últimas décadas foi o Factor Investing. Esta abordagem sistemática para capturar “prêmios de risco” através de características mensuráveis dos ativos tem transformado a forma como investidores montam seus portfólios.
Neste artigo, iremos entender o conceito do Factor Investing, sua origem, funcionamento e aplicações práticas no mercado financeiro.
O QUE É FACTOR INVESTING?
Factor Investing é uma estratégia de investimento que seleciona ativos com base em fatores sistemáticos associados a retornos superiores. Diferentemente da análise tradicional que foca em setores ou empresas específicas, esta abordagem identifica características que, historicamente, geraram retornos acima da média.
Esta estratégia combina análise quantitativa e fundamentos econômicos, permitindo aos investidores construírem portfólios mais eficientes e com melhor relação risco-retorno. Quem investe seguindo o Factor Investing não costuma fazer análises individuais e subjetivas de cada empresa.
Em vez disso, os investidores selecionam indicadores que, conforme evidências históricas, tendem a se converter em maiores retornos no futuro, aplicando critérios objetivos e sistemáticos.
ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
As bases do Factor Investing remontam ao trabalho de Harry Markowitz sobre diversificação e fronteira eficiente na década de 1950. O conceito ganhou forma com o Capital Asset Pricing Model (CAPM) nos anos 1960, que introduziu o risco de mercado (beta) como único fator explicativo dos retornos.
No entanto, o CAPM mostrou-se limitado para explicar anomalias do mercado, como o excesso de retorno de ações de pequena capitalização e de valor. A verdadeira revolução ocorreu em 1992, quando Eugene Fama e Kenneth French propuseram o Modelo de Três Fatores.
Este modelo expandiu o CAPM adicionando dois novos fatores: Tamanho (SMB – Small Minus Big), que representa o retorno excedente de empresas de pequena capitalização sobre as de grande porte, e Valor (HML – High Minus Low), que reflete a superioridade de ações com baixo índice de preço/valor patrimonial.
O modelo conseguiu explicar até 95% da variação de retornos em carteiras diversificadas, contra apenas 70% do CAPM tradicional, representando um avanço significativo na compreensão dos retornos dos ativos.
EXPANSÃO PARA O MODELO DE CINCO FATORES
Em 2015, Fama e French expandiram seu modelo para incluir mais dois fatores, criando o Modelo de Cinco Fatores. Foram adicionados os fatores de Rentabilidade (RMW – Robust Minus Weak), relacionado a empresas com alta lucratividade operacional, e Investimento (CMA – Conservative Minus Aggressive), ligado a companhias que evitam expansão agressiva de ativos.
Estudos aplicando este modelo ao mercado brasileiro demonstraram que ele teria desempenho superior ao modelo de três fatores. Porém, os fatores Tamanho e Valor ainda se mostraram mais importantes para entender o retorno dos ativos no contexto brasileiro.
A LÓGICA POR TRÁS DOS FATORES
Os fatores podem ser divididos em duas categorias principais. Os Fatores Macroeconômicos estão relacionados à sensibilidade dos ativos a variáveis como inflação, taxa de juros e crescimento do PIB.
Já os Fatores de Estilo referem-se a características intrínsecas dos ativos, como valor, momentum, qualidade e baixa volatilidade, que podem ser identificados através de indicadores financeiros específicos.
PRINCIPAIS FATORES E SEUS MECANISMOS
O fator Valor identifica ações com baixa relação preço/valor patrimonial (P/VPA), pois historicamente geraram retornos acima da média. Este fator apresentou um retorno médio de +3,2% ao ano entre 1926-2020, embora tenha registrado -4,8% entre 2010-2019.
O fator Momentum, identificado por Narasimhan Jegadeesh em 1993, captura o “efeito manada” do mercado. Ativos com performance recente superior tendem a continuar performando bem, e este fator obteve +3,5% em 2010-2019.
O fator Baixa Volatilidade seleciona ações com menor oscilação que o mercado, apresentando Sharpe Ratio superior em períodos de crise. Estudos mostram que este fator gerou Sharpe Ratio 0,68 superior ao mercado durante as recessões econômicas.
O fator Qualidade busca empresas com balanços sólidos, alto ROE e baixo endividamento, que tenderam a superar o mercado no longo prazo, oferecendo proteção em períodos de instabilidade.
RESULTADOS HISTÓRICOS E DESEMPENHO EMPÍRICO
O fator Momentum obteve +6,7% de retorno anualizado nos 5 meses anteriores às recessões nos EUA entre 1927-2022. Carteiras baseadas no Modelo de Cinco Fatores superaram o S&P 500 em 72% dos anos analisados, demonstrando consistência no longo prazo.
Entre 1990-1999, os fatores Fama-French tiveram retorno médio de -0,28% versus +3,95% em 1963-2009, ilustrando que mesmo estratégias bem fundamentadas podem passar por longos períodos de baixo desempenho.
CENÁRIO BRASILEIRO
No Brasil, estratégias multifatoriais superaram o Ibovespa em 14,3% ao ano desde 2015, embora com volatilidade 18% maior. Um teste usando dados point in time (uma técnica para tentar diminuir o viés do estudo) entre julho/2018 e junho/2019 mostrou resultados promissores.
Uma carteira sugerida pelo modelo de cinco fatores apresentou performance de 154% do índice Ibovespa no período analisado, evidenciando a aplicabilidade destes conceitos ao mercado brasileiro.
IMPLEMENTAÇÃO PRÁTICA: ETFS BASEADOS EM FATORES
Uma forma prática de implementar o Factor Investing é através de ETFs (Exchange Traded Funds) que seguem essa estratégia. Esses fundos aplicam filtros de fatores específicos para selecionar ativos que compõem suas carteiras, permitindo aos investidores exposição direta a diferentes prêmios de risco.
ETFS NO BRASIL
No mercado brasileiro, existem algumas opções interessantes para quem deseja adotar estratégias baseadas em fatores. O LVOL11 da Nu Asset foca no fator de Baixa Volatilidade, selecionando ações com menor oscilação de preços e potencialmente melhor relação risco-retorno durante períodos de instabilidade no mercado.
Para investidores que buscam maior exposição ao risco sistemático do mercado, o HIGH11 também da Nu Asset oferece exposição ao fator High Beta, com potencial de amplificar ganhos em períodos de alta. Já o BMMT11 do Bradesco implementa o fator Momentum, selecionando ações com forte tendência de alta recente.
O NSDV11 da Nu Asset representa uma opção para o fator Dividendos, focando em empresas com histórico consistente de distribuição de proventos aos acionistas. Uma estratégia que tende a favorecer empresas com maior estabilidade financeira.
ETFS INTERNACIONAIS
No mercado internacional, as opções são ainda mais diversificadas. O USMV oferece exposição ao fator Baixa Volatilidade em empresas americanas, enquanto o SPHB seleciona as ações de maior beta do índice S&P 500, amplificando os movimentos do mercado.
Para o fator Momentum, o MTUM captura ações com forte tendência de alta, selecionando empresas que demonstraram performance superior no passado recente. O VTV mantém-se como referência para exposição ao fator Valor, com impressionante histórico de desempenho no longo prazo.
O QUAL seleciona empresas com balanços sólidos, alta rentabilidade e baixo endividamento, proporcionando exposição ao fator Qualidade. Para investidores interessados em dividendos, o VIG foca em empresas com histórico de crescimento consistente nos proventos.
Estratégias mais inovadoras podem ser acessadas através do RSP, que dá o mesmo peso para todas as empresas do S&P 500, eliminando o viés de capitalização de mercado. O LRGF combina múltiplos fatores em um único produto, oferecendo uma abordagem diversificada.
Para completar o espectro de estratégias fatoriais, o VUG captura o fator Crescimento, focando em empresas com forte expansão de receitas e lucros, em contraste com a abordagem tradicionalmente utilizada no fator Valor.
CRÍTICAS E LIMITAÇÕES
Apesar da solidez acadêmica, o Factor Investing enfrenta alguns desafios que não podem ser ignorados. O Data Mining é uma preocupação, com mais de 600 fatores acadêmicos identificados, muitos sem significância prática (o chamado “zoo de fatores”).
O Crowding representa outro problema, pois a popularização reduz a eficácia dos fatores. Estratégias de valor tiveram influxo de US$ 1,3 trilhão entre 2020-2025, comprimindo o prêmio de risco associado a este fator. A lógica é simples: quanto mais demandado algo se torna, mais caro ele ficará.
Há também a Dependência Temporal, com fatores como rentabilidade mostrando correlação de 0,72 com ciclos econômicos, limitando seu potencial de diversificação. Alguns fatores, como o Low Volatility, não são adequadamente explicados pelo modelo de cinco fatores.
O Momentum permanece como um “Fator Fantasma”, não incorporado ao modelo oficial de Fama-French, apesar de sua relevância empírica comprovada em diversos estudos.
COMO DEFINIR A RELEVÂNCIA DE UM FATOR
A discussão sobre quais fatores são relevantes é ampla e não há consenso absoluto. Mesmo entre gestores que praticam Factor Investing, há discordância sobre qual o melhor momento para exposição a determinado fator.
Os gestores também divergem sobre quão relevante cada fator é em diferentes momentos do ciclo econômico, tornando a seleção de fatores tanto uma ciência quanto uma arte.
COMO?
Na prática, gestores definem a relevância de um fator através de análise de “cross section” dos retornos e regressão entre cada ativo e os fatores considerados. Eles calculam a relação entre os betas obtidos e os retornos de cada ação.
Essa análise é complementada pela criação de perspectivas futuras baseadas em períodos históricos similares, permitindo ajustes táticos na exposição aos diferentes fatores.
PERSPECTIVAS FUTURAS
O Factor Investing continua evoluindo, com tendências emergentes como Machine Learning para identificação de novos fatores comportamentais, incluindo análise de sentimento em notícias. A integração de critérios ESG também ganha destaque, com 72% dos ETFs multifatoriais globais agora incluindo aspectos socioambientais.
Os ETFs Smart Beta representam uma inovação, como o Ibov Smart High Beta lançado pela Nu Asset em 2023. Estudos projetam que estratégias multifatoriais podem reduzir a volatilidade em até 22% frente a abordagens tradicionais.
Estas estratégias, porém, exigem rebalanceamentos frequentes, com turnover médio de 30-40% ao ano, e demandam disciplina operacional para implementação eficiente no longo prazo.
CONCLUSÃO
Em um mercado financeiro que oscila entre períodos de incerteza e estabilidade, o Factor Investing se estabelece como uma ferramenta valiosa, guiando os investidores com maior objetividade. Esta estratégia combina diferentes fatores para construir portfólios mais resilientes, enquanto mantém sensibilidade às oportunidades que surgem.
À medida que os mercados continuam seu ciclo natural de expansão e contração, os investidores que reconhecem e respeitam os padrões históricos poderão obter resultados que superam as limitações da análise tradicional. O Factor Investing representa não apenas uma metodologia de investimento, mas um reconhecimento da natureza cíclica dos mercados – uma abordagem sistemática que, quando aplicada com paciência e disciplina, pode revelar oportunidades consistentes em meio à aparente aleatoriedade dos preços.