A Tarifa que Custou US$ 417 Milhões: O Preço Real da Guerra Comercial dos EUA

Como um único navio ilustra o impacto das novas tarifas americanas sobre bens chineses, e o caos que se espalha pela cadeia global.

O NAVIO QUE CHEGOU COM A CONTA

No dia 24 de abril, o OOCL Violet atracou no Porto de Long Beach, Califórnia. A bordo, uma carga de pelo menos US$ 564 milhões em mercadorias — e uma surpresa amarga para importadores: novas tarifas de até 145% anunciadas dias antes. Quase metade da carga, estimada em US$ 231 milhões, estava sujeita às novas regras, causando um impacto de pelo menos US$ 417 milhões em tarifas adicionais.

Para empresas como a Worldlawn Power Equipment, o baque foi imediato. “Isso está definitivamente afetando os negócios”, afirmou Tino Muratore, gerente geral. A incerteza é tão grande que muitos importadores operam, segundo ele, “em uma névoa”.

MUDANÇAS EM PLENO MAR

O Violet partiu de Dalian quando as tarifas estavam em 20%, aplicadas por preocupações da Casa Branca com o papel da China na crise do fentanil. Poucos dias depois, ao deixar Ningbo, a taxa subiu para 45%. Por fim, um aumento repentino entrou em vigor horas antes da saída de Xangai, elevando o imposto para 145%. Essa última mudança, sozinha, adicionou US$ 220 milhões em custos inesperados.

A jornada do navio virou reflexo de uma política comercial instável. Mais de 6.000 registros de embarque foram analisados para estimar o impacto. Cada porto, uma nova regra. Cada parada, uma incerteza.

OS NÚMEROS POR TRÁS DO NAVIO

Cerca de 40% da carga — US$ 231 milhões — foi tarifada em níveis recordes. Produtos como peixes, tênis, empilhadeiras, luvas médicas, massas, sutiãs e vestiário de trabalho foram impactados.

Alguns casos chamam a atenção pelo tamanho da distorção:

  • Um lote de bolas de basquete avaliado em US$ 323 mil gerou US$ 469 mil em tarifas.
  • 72 mil libras de colchões de ar embarcados em Xangai resultaram em US$ 833 mil em tarifas.
  • Aparelhos de ar-condicionado avaliados em US$ 1,5 milhão geraram US$ 2,1 milhões em tributos adicionais.
  • A Big Joe Forklifts teve um custo extra de US$ 109 mil porque sua carga saiu dois dias após o novo teto tarifário entrar em vigor.

Os artigos têxteis lideraram os valores em novas tarifas: mais de US$ 137 milhões apenas para vestuário de malha. Equipamentos industriais somaram US$ 62 milhões em tarifas. Ao todo, estima-se que a carga chinesa a bordo do Violet gerou mais de US$ 409 milhões em novas tarifas — 98% das tarifas aplicadas sobre toda a carga do navio. Os números são confirmados por estimativas da Bloomberg e IHS Markit.

O QUEBRA-CABEÇA LOGÍSTICO DOS IMPORTADORES

Diante do choque, algumas empresas passaram a armazenar mercadorias em zonas alfandegárias, postergando o pagamento dos tributos enquanto esperam mudanças nas tarifas. Outras, como a Arctic Fisheries, devem recorrer a empréstimos para quitar os valores — mesmo antes de receber a fatura.

“Nosso lucro é apertado”, afirmou Michael Kotok, presidente da companhia. “Precisamos repassar esse custo.” Mas os contratos de preço fixo limitam sua margem de manobra. “Na tentativa da administração de pressionar outras nações, eles colocam as empresas americanas em uma morsa — muitas das quais não sobreviverão.”

Ele também lembra que essa é apenas mais uma crise enfrentada desde 2018. Tarifas anteriores, pandemia e os efeitos da guerra na Ucrânia já haviam comprometido a operação.

OS SINAIS DE DESACELERAÇÃO JÁ SÃO VISÍVEIS

O Porto de Long Beach projeta uma queda de aproximadamente 40% no número de navios e no volume de importações entre meados de abril e meados de maio. A mudança reflete o impacto direto das tarifas na atividade comercial e logística.

Ainda nesta semana, a China divulgará os dados de exportação de abril — a primeira visão completa sobre os efeitos da nova rodada de tarifas. As consequências sobre o comércio global devem se intensificar nas próximas semanas.

O NOVO NORMAL: TARIFAS COMO ARMA GEOPOLÍTICA

Um único navio, uma única decisão — e quase meio bilhão de dólares em novas tarifas. A guerra comercial entre EUA e China não é mais apenas uma manchete. É uma realidade diária para milhares de empresas americanas.

O impacto atinge diretamente os importadores, mas os efeitos terminam se espalhando por toda a cadeia produtiva. Os custos sobem, a previsibilidade despenca e a competitividade é comprometida.

A Casa Branca, por sua vez, afirmou que suas políticas tarifárias estão “lançando as bases para uma restauração de longo prazo”, citando aumento do investimento doméstico e desaceleração da inflação. Não comentou, no entanto, os custos diretos impostos aos importadores.

Renan Zanella, CFA
Renan Zanella, CFA
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